Introdução  

A renascença corresponde ao período de "renascimento" das letras e das arte como um todo, movimento este iniciado na Itália no século XIV, tendo alcançado seu auge no século XVI, influenciando todas os demais países da Europa. Os termos “renascença” ou “renascimento” passaram a ser utilizados a partir do século XV para designar o retorno da cultura aos padrões clássicos. Tal movimento se iniciou com os estudos dos cânones artísticos da antiguidade clássica. O estudo da cultura clássica já constituía elemento de erudição entre os mais cultos homens da Idade Média e até entre a classe sacerdotal. Por exemplo, as figuras mitológicas pagãs eram utilizadas como elemento estético para finalidades morais e filosóficas. Gradualmente, tal conhecimento dos padrões clássicos passou a exercer influência sobre os mais variados campos de atividade humana no período posterior à Idade Média. Portanto, não se pode dizer que a exclusividade do "retorno" aos padrões da Antiguidade é de propriedade do período renascentista.
A história passou por grandes revoluções no período renascentista. A visão do homem sobre si mesmo modificou-se radicalmente pois, no período anterior, todos os campos do saber humano tendiam a voltar-se para as explicações teocêntricas, isto é, a visão do homem basicamente tinha Deus como ponto de partida para todas as discussões acerca do universo, suas origens e seus mecanismos. Na renascença, o homem passou a voltar seu olhar sobre si mesmo, isto é, houve o ressurgimento dos estudos nos campos das ciências humanas, em que o próprio homem toma-se como objeto de observação, ao mesmo tempo em que é o observador.
No campo da ciência, o período foi um dos mais férteis na história da humanidade. Galileu Galilei, mesmo perseguido pela Igreja, afirmava não ser a Terra o centro de todo o universo. Pela constatação do movimento da Terra em torno do Sol, as teorias de Galileu seguiam em rota de colisão com os próprios conceitos religiosos vigentes: tal fato, por si mesmo, já era considerado um desafio às autoridades religiosas.
A invenção da bússola, assim como o aprimoramento das técnicas de navegação, facilitou a expansão marítima européia, resultando na nova rota marítima para as Índias, realizada por Vasco da Gama. Os avanços da tecnologia de navegação da época foram notáveis, não tardando assim o descobrimento da “nova terra”, a América, realizado por Cristóvão Colombo. Por outro lado, a pólvora, outrora utilizada meramente para a fabricação de fogos de artifício, passou a ser utilizada para fins militares. Desta forma, os colonizadores europeus passaram a obter vantagem bélica esmagadora sobre os povos dos territórios conquistados.
Leonardo da Vinci, talvez sendo aquele que mais personificou os padrões do homem renascentista, tendo sido pintor, escultor, arquiteto, cientista e músico, deixou contribuições nas artes (criou uma das mais populares pinturas na história das artes, La Gioconda, a Mona Lisa) além de realizar inúmeros experimentos científicos, entre eles os seus projetos de engenharia, que assombraram sua época. No desenho, era um mestre da perspectiva: esta constitui um efeito pictórico que “insere” o observador no espaço representado no desenho, ao contrário das obras produzidas anteriormente, em que a idéia da onisciência de Deus fornecia parâmetros como ponto de vista. A representação do ponto de vista da onisciência resultava em figuras planas, sem profundidade espacial.
A sociedade feudal, a partir da renascença, teve seus mercados alterados através do nascimento de uma burguesia urbana, que revolucionava os padrões então vigentes na produção. Os centros urbanos se multiplicaram a partir do desenvolvimento das atividades comerciais, substituindo paulatinamente os antigos feudos. Em suma, os fatos ocorridos no período renascentista eram formados a partir das bases da posterior instalação do mundo contemporâneo na história.
A proximidade da Grã-Bretanha com a Europa Continental e, seu relacionamento de amor-ódio com ela, produziram no decorrer dos séculos uma notável esquizofrenia artística. Em algumas épocas os artistas britânicos foram líderes no mundo, e sua agressiva confiança (um resultado de serem capazes de se desenvolver fora do centro das ações) levou suas artes por direções inimaginadas e inigualadas em outras partes; em outras épocas eles se recolheram à sua mediocridade imitativa, assistindo na sombra ao desfile das artes européias com uma mistura de ciúme, complacência e hostilidade.

Era Tudor e Stuart

ChantOs Tudor eram uma família originária do País de Gales, cuja dinastia teve início por volta do ano 1400, época do nascimento de seu primeiro membro, Owen Tudor. Assim como tantas outras famílias britânicas com ascendência nobre, os Tudor também almejaram um lugar no palácio real inglês, que lhes garantiria o poder de governar este importante e poderoso país europeu. Desta maneira, o jovem Owen casou-se com Catherine de Valois, que era viúva do rei Henry V, pertencente à família Lancaster. Uma vez tendo tomado parte desta considerada dinastia, Owen também ajudou os Lancaster na Guerra das Rosas, que envolvia esta família e os York em uma sangrenta disputa pelo trono. O casal teve vários filhos, sendo que o mais velho, chamado Edmund Tudor, casou-se com Margaret Beaufort, que era descendente do rei Edward III. Mas foi seu outro filho, Henry Tudor, que conseguiu derrotar e matar Richard Plantagenet, mais conhecido como o rei Richard III, que governou a Inglaterra até 1485. A vitória de Henry sobre Richard aconteceu em um combate que ficou conhecido pelo nome de Batalha de Bosworth Field, que também serviu para marcar o fim definitivo da Guerra das Rosas. O rei da Inglaterra, a partir de então, era Henry VII, que ficou no trono até sua morte, sendo sucedido por seu filho, o rei Henry VIII. Depois dele vieram Edward VI, Mary I e Elizabeth I, que governaram o país por muitos anos até a morte desta última que, por não ter herdeiros ou descendentes, foi substituída na ocasião de sua morte pelo rei da Escócia, James VI. James, por sua vez, era um descendente direto de Margaret Tudor, filha de Henry VII, fato que serviu para dar continuidade ao poder dos Tudor na Inglaterra. O rei da Escócia foi o primeiro da família Stuart a chegar ao trono britânico e por isso adotou o nome de James I, inaugurando uma nova dinastia, ainda que intimamente ligada aos Tudor, detentora do poder daquele país.
Em música, a primeira explosão de excelência foi dos séculos XV ao XVII, durante os reinados dos monarcas Tudor e os primeiros Stuart. Antes dos Tudor houve compositores individuais de talento (por ex. John Dunstable, 1390-1453, cuja música de igreja rivalizava com a de qualquer outro do continente), e no final do século XV e começo do XVI um grupo de compositores de igreja desenvolveu um estilo rico e intrincado que foi peculiar e renomadamente "inglês". Nesse momento, devido ao estímulo que os primeiros reis Tudor davam à música (Henrique VIII, por exemplo, encontrava tempo entre todas as suas outras atividades para tocar, cantar e compor), e devido à evolução na música de igreja trazida pela desestabilização do catolicismo romano, o campo estava preparado para o crescimento de um dos melhores entre todos os grupos artísticos nacionais. A Iglaterra dos Tudor dedicava-se tão vivamente à música como às outras artes. Nas peças de Shakespeare e de seus contemporâneos, abundam referências musicais, certamente compreendidas pelo mais humilde espectador de teatro comercial. A sólida e todavia confortável arquitetura do Palácio de Hampton Court reflete-se nos retratos de notabilidades inglesas pintadas por Hans Holbein e nos sons agradáveis dos motetes religiosos de Cristopher Tye e Thomas Tallis. A Reforma da Igreja de Henrique VIII teve um efeito secundário interessante - o conflito entre protestantes e católicos deu aos compositores contemporâneos experiência em escrever tanto para a liturgia inglesa como para a latina. Evidentemente, alguns compositores católicos intransigentes foram perseguidos, mas Elizabeth I teve a sensatez de permitir que a música de igreja em latim pudesse ser cantada em locais de ensino; assim, missas e motetes continuaram a ser compostos e cantados, lado a lado com os cânticos e as disposições do serviço protestante em inglês.
William Byrd foi talvez o mais avançado compositor de seu tempo. Foi co-organista, juntamente com Thomas Tallis, da capela real em Londres e compôs quatro serviços da Igreja Inglesa, mas, sendo um católico fiel, foi perseguido por sua fé. Corajosamente continuou a escrever missas e motetes em latim para as capelas privadas das famílias católicas ricas. A primeira composição doméstica profana de Byrd consistia de canções a uma voz acompanhadas por um grupo (consort) de violas ou de flautas doces, ou uma mistura de ambas. Sua amizade com Philippe de Monte (trocavam motetes em latim) explica seu conhecimento dos novos desenvolvimentos na Itália, especialmente entre os compositores franco-flamengos.

Tradição Madrigalesca Inglesa

Thomas Morley (1557-1603) foi organista da Catedral de São Paulo, na cidade de Londres, e também ele compôs música de Igreja Latina e Inglesa. Todavia, o principal motivo de sua fama foi ter sido líder da Escola de Madrigais Inglesa, que ganhou raízes em 1588, ano da Armada Espanhola e que, a partir daí floresceu maravilhosamente, sobrevivendo um quarto de século depois da sua morte. É sabido que Henrique VIII cantava e tocava alaúde e são-lhe atribuídas, embora com alguma reserva, algumas composições (naquele tempo podia-se reclamar a autoria de uma peça, bastando para isso acrescentar-lhe uma parte). Sua filha Elizabeth, era rainha de Morley, tocava e era particularmente dotada para a dança. Seus cortesãos deviam proceder do mesmo modo, embora as regras de etiqueta da corte, que eram formuladas num livro italiano - um best-seller durante seu reinado -, insistissem que as pessoas bem-educadas nunca faziam música em público.
Tanto Henrique VIII como Elizabeth I mantinham músicos italianos na corte. Um deles, de 1562 em diante, foi o madrigalista Alfonso Ferrabosco (1543-1588), muito admirado por seus colegas ingleses, embora sua música pareça hoje muito inferior à deles. Cópias de madrigais italianos circulavam na Inglaterra desde os primeiros anos do reinado de Henrique VIII.
Em 1588, Nicholas Yonge, cantor da Catedral de São Paulo, publica uma antologia de madrigais italianos escolhidos de volumes que lhe tinham sido enviados por amigos ingleses e que adaptara a versos ingleses. Deu à antologia o nome de Music from across the Alps (Música Transalpina). Felizmente, poetas ingleses, tais como Edmund Spenser, Michael Drayton e Sir Philip Sidney tinham começado a imitar as imagens setimentais e sofisticadas de Petrarca. Foi esse modelo de tornou possível o madrigal inglês - a música estreitamente ligada à poesia, no estilo italiano. Mais três antologias de Italian Madrigals Englished (Madrigais Italianos Inglesados) foram publicados em Londres e vendidas em quantidade; William Byrd escreveu, para uma dessas antologias, seus únicos madrigais (duas versões do mesmo poema).

Madrigalistas Ingleses

A popularidade dos madrigais junto aos amantes da música estimulou outros compositores ingleses. Em 1593, Thomas Morley compôs suas Canzonets ou Little Short Songs to Three Voices (Cançonetas ou Pequenas Canções para Três Vozes) - leves e trepidantes madrigais em miniatura no estilo italiano, um paralelo musical das delicadas miniaturas pintadas por Nicholas Hilliard, em total contraste com sua solene e austera música sacra. Nos quatro anos seguintes, publicou volumes de cançonetas, madrigais e baladas, muitas vezes copiando livremente originais italianos. Escreveu também um livro de ensino, A Plaine and Easie Introduction to Practical Musicke (Introdução Simples e Fácil à Música Prática), quase todo sob a forma de diálogo entre o mestre e dois discípulos, um aplicado e outro preguiçoso, aqui também incluiu pequenos madrigais como exemplo.
Entre outros compositores que seguiram seu exemplo salientou-se
Thomas Weelkes (1575-1623), que foi organista e mestre-de-capela em Winchester e Chichester. Sua vívida e pictórica imaginação concretiza-se maravilhosamente no duplo madrigal Thule, the Period of Cosmography (Thule, o Período da Cosmografia), uma seqüência de prodígios divulgados por exploradores contemporâneos, musicalmente retratados em harmonias ousadas, até mesmo violentas. Os madrigais e baladas de Weelkes vão desde a melancolia em Say, dear, when'will your frowning leave (Diz-me, querida, quando vais abandonar esse ar zangado), com seu final doloroso: And kill my soul with double smart (E mata minha alma com redobrada dor), até o profundo pesar no madrigal religioso When David heard that Absalom was slain (Quando Davi soube que Absalom fora assassinado) e à franca e terrena alegria de Since Robin Hood, Maid Marian and Little John are gone-a (Desde que Robin Hood, Marian e Little John se foram) ou Come, sirrah Jack ho, bring some tobacco (Venha seu Jack, traga algum tabaco) - a última novidade trazida por Sir Walter Raleigh da América. O Care, though wilt despatch me (Cuidado, que me matais) é, curiosamente, uma balada triste, com estribilho "fá-lá" absolutamente melancólico. Weelkes também transformou em música de estilo madrigalesco os pregões de vendedores ambulantes de Londres.
O virtuosismo estilístico de Weelkes só tem rival em
John Wilbye (1574-1638), um homem de Suffolk que, ao contário do habitual, não tinha nenhum compromisso com a Igreja, mas tinha passado a maior parte de sua vida a serviço de uma família rica, nos arredores de Bury St. Edmunds, como tangedor de alaúde e músico principal. Os dois livros de madrigais de Wilbye revelam uma sensibilidade poética excepcional e uma refinada inventividade musical. Suas canções são elegantes e sensualmente italianizadas, sérias de temperamento mesmo quando para mero entretenimento, como por exemplo em Sweet honey-sucking bees (Doces abelhas sugadoras de mel), ou na excentricamente inibida cançoneta Flora gave me fairest Flowers (Flora deu-me as mais belas flores). É na doce melancolia noturna do madrigal duplo Draw on, sweet night (Aproxima-te, noite suave), com sua grave e ampla seção final I then shall have best time for my complaining (Terei então melhor tempo para meu lamento), que o gênio de Wilbye se expande ao máximo e na forma mais sensível.
Na década de 1590 apareceram muitas outras antologias de madrigais ingleses. Em 1601, Thomas Morley realizou The Triumphs of Oriana (Os Triunfos de Oriana), para o qual 23 compositores contribuíram com madrigais em honra de rainha Elizabeth I, terminando todos com o dístico Then sang the shepherds and nymphs of Diana / Long life fair Oriana (Depois cantaram os pastores e as ninfas de Diana / Longa vida para a bela Oriana). Oriana, ou mais freqüentemente Gloriana, era como os ingleses tratavam Elizabeth I, com associações pastoris na tradição da poesia de Petrarca.
Orlando Gibbons (1583-1625) era o maior dos compositores ingleses se deu tempo, magistral na música da Igreja Anglicana, na música de teclado e na música para conjunto instrumental; seu único volume Madrigals and Motetts, apt for Viols and Voices (Madrigais e Motetos para Violas e Vozes), publicado em 1612, é uma obra gloriosa, apesar de os estudiosos acharem que suas melhores peças, tais como The Silver Swan (O Cisne de Prata) e What is our Life ? (O que é nossa Vida ?) - o poema é atribuído a Raleigh e teria sido escrito na noite anterior a sua execução -, são demasiado sérias e óbvias demais como canções solo para serem consideradas verdadeiros madrigais. Mas por volta de 1612 o madrigal inglês começou a declinar. O modelo italiano de que descendia havia se modificado e transformado em algo mais virtuosístico, com acompanhamento instrumental essencial e independente para cantores profissionais especialistas em ornamentação vocal rápida.                  

A Canção Inglesa com Alaúde

Enquanto a Inglaterra ainda acreditava que a música deveria ser executada por fidalgos amadores cultos, já o madrigal tinha cedido seu lugar ao English ayr, ou canção para voz acompanhada de alaúde, por vezes, mas não necessariamente, com o mesmo executante. O alaúde tornara-se um instrumento popular nas famílias abastadas durante a época de Henrique VIII e, no princípio do reinado de Elizabeth I, apareceram os primeiros manuais didáticos. Em 1596, as primeiras canções com alaúde faziam parte de um desses livros, com o acompanhamento instrumental notado em tablatura. Cada ponto mostrava a posição dos dedos sobre as cordas (hoje em dia, a música para violão popular é geralmente escrita de maneira semelhante). A poesia dessas canções também é notável por sua qualidade, e se prestava especial atenção à colocação das palavras. Às vezes o compositor também era o autor dos versos.   

John Dowland (1563-1626)

Dowland era o maior compositor de canções, internacionalmente conhecido em vida como alaudista, tanto pela publicação de suas canções e peças para alaúde em vários países europeus, como pelo fato de ter passado boa parte de sua vida trabalhando na França, Itália, Alemanha e Dinamarca (Shakespeare escreveu Hamlet no período em que Dowland se encontrava na corte de Elsinore - uma coincidência extraordinária). Era católico e não desejava ser perseguido pelas autoridades protestantes - daí as extensas viagens - mas não ostentava sua fé; compôs conscienciosamente canções religiosas em inglês e harmonizou melodias de Salmos para o Rito Anglicano.
As peças para alaúde de Dowland, a maioria na forma de danças populares, aludem freqüentemente tanto a ele próprio como a amigos e a membros da sociedade inglesa, muito especialmente na pavana Semper Dowland, semper dolens, um trocadilho latino do seu nome, já que dolens significa mágoa.
A música mais típica de Dowland tem um caráter melancólico que aparece constantemente em suas canções: Weep you no more, sad fountains (Não chorem mais, tristes fontes), Sorrow, stay (Tristeza, fica), If floods of tears could cleanse my follies past (Se torrentes de lágrimas pudessem apagar minhas loucuras passadas), Flow, my tears (Corram, lágrimas), que se tornaram famosas em toda a Europa como a pavana Lacrima, e a partir de qual ele elaborou Seven passionate pavans for lute and five viols (Sete pavanas apaixonadas para alaúde e cinco violas). A mais gloriosa e trágica delas é a canção In darkness let me dwell (Deixem-me viver na escuridão), verdadeiramente sombria, com um refrão inesquecível Down, down I fall, never to rise again (Desço cada vez mais, para nunca me levantar).
Os irlandeses alegaram que Dowland era seu compatriota devido as fato de Dolan ser um nome vulgar na Irlanda, mas as evidências sugerem que ele era londrino; passou seus últimos anos na City, onde possuía uma casa em Fetter Lane, que hoje em dia faz parte do bairro dos jornais de Londres.
Dowland foi o precursor de uma florescente e influente escola de compositores de canções com alaúde que tinha começado com Morley; incluía figuras menos importantes, como
Thomas Campion (1567-1620), um poeta por mérito próprio, Robert Jones e Philip Rosseter. Hoje, temos oportunidade de ouvi-los quando um cantor e um alaudista se juntam num recital.

            

Instrumentos Musicais em 1600

A época dos madrigais foi também a época do nascimento da música para teclado solo e da música para conjunto instrumental, às vezes música de dança, da qual resultou a Suíte. Foi igualmente a época do nascimento de uma música abstrata de forma livre, desligada das palavras ou dos passos de dança, que conduziu à Sonata. Quando Dowland escrevia música para alaúde, compunha de acordo com os recursos específicos do seu instrumento. Outros compositores que compuseram para conjuntos de Violas, flautas doces ou órgão escreviam simplesmente como se fosse para um coro de vozes, cantando polifonia que tinha sido característica da Igreja Católica durante muitos séculos. Por vezes chamavam às suas peças Fantasias para indicar uma improvisação escrita, Ricercar que significa ter sido ela cuidadosamente elaborada, ou Recherché (que era uma espécie de Fuga). Um ou outro compositor intitulou-a canzon da sonar (canção para ser tocada), e isto levou à alternativa sonata. Foi assim que em Veneza, em 1615, Giovanni Gabrieli descreveu essas composições: orgulhosamente chamou a uma delas sonata pian e forte porque nela tinha alternado frases suaves e frases sonoras para dois conjuntos separados de instrumentos de metal, numa época em que as graduações de dinâmica eram sempre deixadas a critério dos executantes.
A partir do final do século XVI, um conjunto de variações sobre um tema conhecido, ornamentado ou alterado em modo ou ritmo, tornou-se uma forma instrumental importante. Os tangedores de alaúde espanhois do princípio do século tinham escrito diferencias, ou seja, variações desse tipo que também aparecem com frequência nas coleções inglesas de música para teclado. Um método favorito de variação, em todos os países, baseava-se no uso de um baixo solo - um tema de vários compassos, repetido continuamente, servindo de suporte à música que variava. Também era chamado chaconne ou passacaglia, cujo modelo harmônico tem semelhança com o boogie-woogie do século XX. O tema mais popular usado dessa forma era a folia, uma uma melodia simples e obcecante, baseada numa dança popular portuguesa que atravessou rapidamente a Europa de então e que hoje ainda se usa.
A forma de variação destinava-se, de início, na Itália, a ligar peças de dança, tais como o lento padovano de Pádua que veio a tornar-se a pavana, e o rápido saltarello ou gargalhada e o enérgico lavolta italiano. Outras danças apreciadas eram a allemande ou almans, da Alemanha, o coranto, uma dança rápida, o bransle, a jiga, a hornpipe e o dump, que era lento e majestoso (as pessoas tristes eram descritas como down in the dumps).
As músicas de dança encontram-se em todos os livros para virginal e também na música para consort (música para grupo de instrumentos), especialmente para o broken consort que Morley cita nos Consort Lessons (1599), dizendo consistir de soprano e viola-baixo, flauta doce, cistre (uma variante do alaúde, tocado com palheta), alaúde e pandora (ou bandurra, uma espécie de alaúde baixo). A música inglesa de consort era muito admirada e copiada no continente, embora os instrumentos variassem conforme as disponibilidades.          

Os Virginalistas Ingleses

"Quanto mais a ouvirem, mais razões encontrarão para gostar dela." Essas palavras de William Byrd, escrita no final do século XVI, continuam verdadeiras mesmo passados 350 anos. O mundo da música de teclado elisabetana é pequeno em grau, forma e particularmente em sonoridade. Não obstante, é possível ficar tão comovido com uma gargalhada tocada num virginal, como ouvindo Chopin num grande piano de cauda moderno; nosso ouvido, mais habituado ao segundo, terá contudo de adaptar-se ao som baixo e fraco que aqueles compositores obtinham.
A mússica tendia e ser breve porque, como as harmonias ainda se baseavam nos modos, obras extensas poderiam facilmente tornar-se monótonas. A forma favorita era a pavana e a gargalhada, um par de danças encadeadas em compasso ternário, uma vagarosa e a outra rápida. As jigas e as allemandes apareceram posteriormente nas suítes barrocas.
A música de teclado elisabetana é repleta de engenhosas e engraçadas variações sobre pregões, canções populares ou simples seqüências de notas.
William Byrd (1543-1623) era mestre nesse gênero. Suas variações The Bells (Os Sinos) incluem quase 150 repetições de um simples tema de duas notas, sempre num desenvolvimento contínuo e excitante. Outras pecas de sua autoria, tais como O Mistris Myne ou Have with you to Walsingame, têm uma frescura e um encanto nunca alcançados na música de seus contemporâneos. É uma música ousada e brilhante. Para um primeiro contato, vale a pena ouvir suas curtas e alegres variações sobre Lavolta (uma dança favorita da rainha Elizabeth, embora, na época, fosse considerada não muito comme il fault, já que obrigava a grandes saltos que expunham os os tornozelos).
Um contemporâneo de Byrd foi
John Bull (1562-1628) que, como Scarlatti, Chopin ou Liszt em gerações posteriores, preferiu escrever quase exclusivamente para instrumento de teclado. Também ele se entusiasmava com as variações, sujeitando seus temas a um tratamento floreado e fantástico. Bull deve ter sido um extraordinário virtuose - grande parte de sua música parece improvisada, e se considerarmos que os executantes de música de teclado usavam para tocar predominantemente apenas os três dedos centrais de cada mão, as notas repetidas, o cruzamento de mãos e as escalas rápidas de Bull dão-nos uma idéia do seu excepcional domínio do teclado. Quatrocentos anos depois, os executantes ainda se sentem intimidados com suas variações rodopiantes. As mais conhecidas são The King's Hunt (A Caçada do Rei), onde emprega toda a sua maestria para descrever o retinar dos arreios, o ruído dos cascos dos cavalos e a pompa brilhante, numa magnífica exibição de pintura tonal e virtuosismo.
Grande parte da música para virginal de Byrd e Bull encontra-se num grande e maravilhosa cópia manuscrita, o Fitzwilliam Virginal Book (Livro Fitzwilliam para Virginal). É, de longe, a maior coleção de música de teclado do período, contendo quase trezentas peças de vários autores, como Giles Farnaby e Thomas Morley, assim como dos dois autores citados anteriormente.
O terceiro grande compositor desse intervalo (nasceu tarde demais para ser incluído na coleção Fitzwilliam) foi
Orlando Gibbons, já mencionado por sua música religiosa e por seus madrigais. Sua música para virginal coloca-o ao lado dos primeiros mestres. Gibbons gostava da forma livre da Fantasia e escreveu para o instrumento muitas peças excelentes, ambora tristes. Talvez sua melhor obra para virginal (e, aliás, curta) seja a pavana The Lord Salisbury (Lord Salisbury); a paixão e a tragédia nela contidas transcendem o som fraco do instrumento para o qual foi escrita.



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| Música Antiga |

Fantasia #1 de William Byrd (1543-1623) England

Para contatos: Wagner Matos Ribeiro
Última Manutenção: 12/mar/08

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